domingo, 30 de dezembro de 2012

Perder: colecionar lembranças

Se quer saber o que é o tal sentimento de perda, perca o sono por uma noite e deixe a xícara de café fora do alcance de suas mãos. Desconecte seu computador e encare a noite escura da janela do seu quarto, faça com que sua única companhia seja a rua solitária que é encarada com o receio dos seus olhos. Lembre-se daquilo que um dia esteve por perto, imagens da sua infância vivida de forma intensa, imagens daquele cachorro que viveu com você por muitos anos, das tardes perdidas no sofá, daquela amiga ou amigo que fazia com que seus finais de semana, ou todos os dias da semana, fossem mais felizes. 
Sua primeira formatura, o poema recitado sem o tom de voz esperado, a primeira palavra escrita e as tantas vezes em que a borracha entrou em cena para apagar seus erros. 
Erros enfrentados quantas vezes fosse preciso para dar lugar aos acertos. 
O ensino fundamental, sua lancheira, os recreios exaustivos. Sua segunda formatura.
O primeiro amor, o primeiro beijo. O primeiro namorado. Lembranças de amor são sempre mais dolorosas por um tempo. Lembraças de amor são lembranças-chiclete: quando colocadas na boca têm um gosto ótimo, como se não existisse nada mais refrescante, e porque não dizer revigorante. Depois de mascá-las, triturá-las, revive-las muitas vezes, - encher a bola, estourá-la, enche-la de novo - a lembrança amorosa, agora um empecilho, desperta o desejo de tirá-la da boca e jogá-la fora. 
 Não há como descobrir o significado do vazio sem conhecer o comportamento de nossas lembranças, assim como o comportamento daqueles que escolhemos para fazer companhia lado a lado.
Nossa vida tem uma porta giratória. Pessoas entram e saem o tempo todo, algumas enroscam, outras são impedidas pelo alarme contra metais. Algumas não encontram a saída, outras saem logo que adentram. 
O primeiro namorado, o primeiro amigo, a primeira professora, enfim, os primeiros são os que não encontram a saída. Não por vontade própria, mas você os impede colocando obstáculos, trancando a porta. 
Ser primeiro significa ser importante. 
O primeiro vestibular. Talvez, a primeira vez em que você seja obrigado a parar e pensar: Qual vai ser agora? 
Você tem sempre dois, ou muitos mais, caminhos a seguir. E nesse caso, para responder à essa questão, não é diferente, há duas opções: Você pode seguir os padrões, entrar numa boa faculdade, concluir um bom curso, construir uma boa família. Ou então pode ter uma boa vida. E boa como sinônimo de original. Boa por si só. Pode cursar o que deseja, comprar um apartamento pequeno que tenha de brinde uma caneta, filmes e máquina de café. Ter um carro popular, viver viajando. Qual vai ser agora? 
O tempo passando, a sociedade pressionando. A ideia é tão absurda quanto a rima errônea nela inserida. 
Uma boa parte de pessoas, como você, fazem escolhas baseadas em nada só pelo fato de estarem sendo pressionadas. Aí está, a primeira pressão. A primeira escolha. O primeiro trauma. O primeiro erro maduro, sim, porque os imaturos você cometeu quando estava sendo alfabetizado. 
Primeiros fatos são como a vida de uma borboleta. Aguardam dentro do casulo para serem feitos, e quando finalmente são libertados duram não mais que 24 horas. Tempo suficiente para alguém, ou algo, ser lembrado. 
O sentimento de perda pode ser considerado tudo que foi deixado para trás. Perdas causadas por você. Perdas causadas por fulano. Não importa, são perdas da vida. Tendo culpa no cartório ou não, você sempre vai tentar descobrir um motivo. Um ato mal feito. Uma palavra mal dita ou maldita.
 Perder é deixar ir. 
Assim como o ano que acaba, outro se inicia. Afinal, perder é desfazer ou recomeçar? 
Um ano termina para que outro comece, uma perda gera um ganho. 
Não desejo que, com a chegada de um novo ano, todos ganhem coisas maravilhosas. Desejo que o sentimento de perda seja compreendido, que a perda seja encarada, as lembranças renovadas e os vazios preenchidos por novas sensações, situações
 Quem foi que decretou a perda como algo ruim? 
Perder não é sofrer, perder é colecionar lembranças. E, como diria o Riobaldo ao lembrar de suas peregrinações pelo sertão: "O que lembro, tenho." 
Quando chegar nesse ponto, feche a janela e tente dormir.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Pretérito mais-que-perfeito

Sentada na poltrona próxima à janela do ônibus, Clara observava o asfalto cinzento sob as rodas do veículo. A menina, com tranças no cabelo tão apertadas quanto seu coração, estava indo em direção a um futuro incerto.
Levava uma vida tranquila, adormecia dia após dia ao som do piano que ganhava vida graças às delicadas mãos de sua mãe e despertava sentindo a coloração aveludada do amanhecer, o qual penetrava por entre as falhas da cortina já maltratada pelo tempo.
A vida, enquanto vivida no presente, nunca é classificada como algo próximo à perfeição. Clara não pensava diferente, achava que o melhor da vida estava sempre guardado para depois, assim como aquela cobertura recheada de cerejas que constantemente deixamos para degustar ao final da refeição.
Clara, cheia de sonhos, continuava com um vazio ocupando o lugar do entusiasmo dentro do coração.
Sua casa, sempre com o clima ameno e leve, certo dia demonstrou estar doente.
Revestiu-se de chumbo, fechou todas as persianas, adquiriu um tom que transita entre o cinza, branco e preto, típico da tristeza e do abandono. Todos os sinais, sinal de extremo respeito ao seu dono. A casa perdeu seu guardião, enquanto a menina, preocupada em esperar pelo melhor, perdeu a oportunidade de perceber o que acontecia ao seu redor.
A família teve sua estrutura quebrada, assim como um edifício que desmorona. Estrutura frágil, sustentada por laços que tendem a propiciar liberdade. Os laços, desprovidos do brilho do cetim, são mantidos por atitudes humanas, as quais são impossíveis de prever.
O pai, usando sua ausência excessiva, desgastou o laço até rompê-lo permanentemente.
Clara, que antes observava o canteiro, do qual transbordavam tulipas vermelhas, abaixo do peitoral de sua janela, através daquela cortina que transmitia toda a segurança dos anos guardados em seu tecido delgado, hoje parte em busca do tão aclamado ''melhor para sua vida'', pelo qual tanto tempo esperou. Mas, sob seus olhos, o asfalto é desprovido de flores, monocromático, assim como o fundo de seus olhos vazios.
O Destino é um sujeito tão imprevisível quanto os pensamentos presentes no interior de uma mulher.
Clara, que buscava o futuro do presente, percebe que vivia no pretérito mais-que-perfeito.
A cobertura do bolo, se deixada no prato por muito tempo, derrete, assim como os anos derretem por entre os dedos concomitante a uma espera interminável.
O melhor é agora.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Esquecimento memorável

Caminhava lentamente sentido cada edifício antigo que compunha aquela rua esquecida.
A cidade foi seguindo a moda futurista e isolando suas ruas históricas, tornando-as diminutas frente às construções livres das ornamentações barrocas.
A história renovando-se a cada dia por meio de demolições, construções e esquecimento.
Criações novas que um dia sairão de cena. O ciclo do novo.

Tempos de paz, tempos de guerra. Tempos de estabilidade, tempos de não-aceitação.


Tempos moldados por situações passageiras.
Cotidiano moldado por tempos renováveis.

Afinal, será mesmo o tempo uma unidade única?

Unidade única ou não, todos os tempos carregam a cura para todas as falhas do seu antecessor.
O filtro que só deixa transpassar situações, fatos e momentos capazes de promoverem mudanças internas e externas mesmo quando um tempo recebe seu ponto final.
Cura mais conhecida como esquecimento.

Caminhava lentamente sentindo cada edifício antigo que compunha aquela rua esquecida.
Imaginando todo os mistérios guardados dentro de cada porta. Importando-se com cada palavra da história presa atrás das grades enferrujadas do portão.
O esquecimento não é permanente.
Os tempos não são desvinculados,  um sempre invadindo as memórias do outro.

Será mesmo esquecer sinônimo de não lembrar?

O esquecimento carrega memórias disponíveis para a recordação, para a releitura.
Recordar. Reler. Relembrar.
Nada melhor que um tempo novinho em folha para Refazer e fazer de novo.



quarta-feira, 4 de abril de 2012

Desperdiçando sentimentos.



"É melhor ser alegre que ser triste (...)"


Não é melhor ser alegre, nem ser triste. O melhor é ser um misto de alegria e tristeza.
É necessário estar triste para desejar ser alegre.
Tristeza impulsiona.
Nosso mal não é a tristeza, nosso mal é a falta de tempo para estar triste.
Falta de tempo para estar alegre. 
Nosso mal é viver no meio termo, sem desfrutar dos estados de forma plena. Viver na transição. 
Viver seguindo o relógio alheio. Desperdiçar dias tristes, tão valiosos quanto os alegres.  
Nosso mal é o desperdício. 
Rotina pré-estabelecida por outras pessoas.  

Viver covardemente, visando objetivos que garantam um futuro brilhante.
Brilho relativo, diga-se de passagem. 
Futuro de várias faces. As expostas recebendo toda a luz de ideias prontas, aquela capaz de iluminar todo um percurso, brilhando intensamente.
Para a face oposta, que se esconde dessas ideias triviais e tão previsíveis, resta a sombra daquele brilho. Sombra que sufoca e transmite a falsa imagem de um caminho incerto.
Sombra que impede que o ponto de chegada seja facilmente visualizado.
É preciso coragem para enfrentar um percurso sombreado.
Alegria acomoda.
Tristeza encoraja. Quem é triste quer sempre ser alegre.

"(...)mas para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza."

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O (des)encontro


Espera a Felicidade chegar sentado em um café. O pedido é um chá gelado, amargo, sem cor e, depois de horas traduzidas em anos, só resta a conta a ser paga, sem que a convidada tenha comparecido ao encontro.
A conta, diferente daquelas compostas por cifrões, cobra o tempo perdido de espera.
Talvez a Felicidade tenha comparecido, não com a cor de roupa combinada, mas com uma aparência nunca antes imaginada. No entanto, desatento aos sinais, passou o tempo todo ao seu lado sem tampouco notá-la.
Nós, seres insatisfeitos, buscamos sempre mais. 
Se alcançamos o objetivo almejado, arranjamos logo outro para substituí-lo. 
Queremos tudo, mas esquecemos que não podemos tudo.
O grande paradoxo é que não podemos tudo, mas podemos querer tudo.
Portanto, pague a conta do café, vá embora e desmarque o encontro. A Felicidade, com todos seus codinomes, não sentará na sua mesa enquanto outros ocuparem as cadeira disponíveis.
Que o convite entregue à Dúvida e ao Arrependimento seja recolhido e tenha espaço de sobra para a chegada de sensações trazidas pela convidada de honra.