quarta-feira, 30 de julho de 2014

A proximidade da Alma


O namorado de uma amiga vai fazer intercâmbio pelo Ciências sem Fronteiras por 12 meses e ela me perguntou se eu acredito em namoro à distância.

Eu acredito. 
Na verdade, acredito em amor à distância. Não tenho nada contra as estradas ou oceanos que separam aqueles que se amam - eu sou é contra a distância entre corações.
Conheço inúmeros casais que estão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. Esqueceram de como é bom encontrar o olhar do outro e ali perder a hora.

Também conheço aqueles que deixaram as estradas abrirem um abismo entre dois. 

E, por fim, aqueles que, milhas e milhas distantes, sabem dizer o estado de espírito do outro tamanha a conexão. 

No final das contas, não é a distância física a responsável por fazer um namoro ou qualquer tipo de relacionamento dar certo, mas a proximidade da alma - conexão rara que a gente pena em encontrar.

Se é preciso deixar ir, que vá com o coração por perto.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Entranhas e superfícies

Escolher é abrir mão de todo o resto – e isso dói.
A Ana, que já viveu mais de sete décadas, disse que, quando começou a conhecer o mundo, as opções eram poucas – quase toda sua vida já havia sido determinada. Sabia que o ensino fundamental serial o ponto final da sua vida escolar,  seu futuro noivo já a esperava na porta e a casa que habitaria após o casamento já estava construída mesmo antes do seu nascimento.
A Ana não tinha dúvidas. Ela seguiu o caminho traçado.
O tempo passou e a terra batida deu origem ao asfalto. O percurso tornou-se rápido, ágil e cheio de bifurcações.  O campo florido – e nem por isso absolutamente agradável, que a Ana percorreu calmamente originou gigantes de cimento. Hoje é preciso correr para não ser massacrado.
Eram duas da manhã e seus olhos teimavam em arder abertos. A chuva caía fina lá fora e o desespero espessava aqui dentro. Tocava “The Velvet Underground” nos fones de ouvido e ela só conseguia pensar nas oportunidades que a vida dá – e, consequentemente, naquelas que lhe são roubadas.
Foram tantos relacionamentos quebrados, tantos caminhos iniciados e outras tantas portas de saída escancaradas. Seria covardia? Teria ela problemas com coisas inacabadas?
“Run, run, run” era a letra da música, Velvet já podia prever sua ânsia de chegar a algum lugar ou, na pressa, a lugar nenhum. Pause. Era preciso parar, respirar em silêncio – seria todo hiato perda de tempo?
A vida moderna é cheia de possibilidades, e, na maioria das vezes, dizemos isso com alegria. Podemos seguir para onde quisermos, tomar um trem e viajar o mundo. O mundo, nos dias de hoje, deixou a exuberância de lado e tornou-se bolinha de isopor pintada de azul – é fácil percorrê-lo por inteiro da tela de um computador.
São tantos lugares, tantas pessoas, tantos olhares e tantas bocas.
As novidades são tantas que escorrem entre os dedos – fluída. Queremos todas elas.
O celular quebrou? Compramos outro. O namoro esfriou? Caçamos outro. Consertar tornou-se verbo em desuso.  
A Ana disse que fica assustada com tanto caos. Na época dela, pessoas custavam a jogar fora cacarecos e sentimentos e, hoje, ela diz que, diante dos seus olhos, a montanha de lixo quase chega ao céu. Olha para o seu futuro próximo, situado no azul do infinito, ela confessa ao meu ouvido: “Tenho medo que meus netos não saibam o significado do valor das coisas.”
Eu, que não conheço seus netos, imaginei todos os netos do mundo. Aqueles que não agarram as coisas com força, mas as tocam superficialmente para logo deixar as mãos livres – querem sentir os tantos “tantos” que a vida oferece.
Não escolhem, querem tudo ao mesmo tempo. Escolher é abrir mão de todo o resto – e isso dói. Esquecem que a dor de deixar uma oportunidade partir cura-se logo com a alegria de colocar a outra, então, escolhida em redoma de vidro - não mais praticando o toque finito, mas entranhando em tudo aquilo que deixamos ficar.

Mais vale conhecer as entranhas da própria vida que a superfície de todos os oceanos. 

A chave


A chave para adentrar no universo da escrita, da leitura de sonhos reais, impossibilidades possíveis, não é como aquela pendurada no bolso do vestido florido de sua avó; ou aquela pequenina e arredia, que sempre desaparece quando sua mãe sai para o trabalho. 
A chave não é feita de nenhuma liga metálica, não é dourada ou colorida. A chave, não visível, reveste-se de compreensão. 

Quando você começar a enxergar e sua compreensão lhe permitir perceber que ler é muito mais que unir formas e símbolos, ou encontrar frases e orações; quando você compreender que palavras são mais que simples conjuntos de letras e, por fim, estar clara a imensidão e o horizonte sem fim de uma história de poucas ou muitas linhas - é nesse momento que você, assim como as próprias palavras, atingirá a maioridade literária. Maioridade com maturidade, independentemente da rima. 

A maioridade é só mais uma das tantas classificações humanas para dividir fatos e temporalidades subjetivas. É só mais uma das tantas tentativas humanas de organizar aquilo que não é organizável. 
Subjetividades que concentram toda sua beleza em sua bagunça, mistura de cores. 

Não há idade numérica exata para compreender a escrita e o sentimento real que ela proporciona naquele que a aceita como parceira de dança. Só é preciso compreender. 

A fechadura, muito mais que um simples vazio numa forma de madeira, pede que, antes de desejar abrir um espaço, haja abertura para compreendê-lo.

Leitura que é só lida não tem magia. 
As crianças, desde cedo, são apresentadas à uma leitura feita pra ser lida, encarando-a como obrigação.
Leitura, seja nessa ou em qualquer história, tem que ser prazer. 
Ao contrário do que muitos dizem, as pessoas leem muito.
Leem, mas permanecem na superfície. Não mergulham. 
Leem e não enxergam o encanto por trás da penumbra da pressa e impaciencia. 

Leitura tem de monte. O que falta é compreensão.

A Escrita é um mundo


Escrever, para algumas pessoas, é como respirar. 
No início, desritmado, paz alternada com turbilhões de emoções, como o choro repentino do recém-nascido. 
Primeiro, o significado de cada letra, sua sonoridade, seu local adequado no interior de uma palavra. A escrita, no início, não apresenta qualquer relação com mistério; palavras soltas esperando outras para dar as mãos e formar uma frase, assim como uma criança que espera seus dois pilares laterais para que possa dar seus primeiros e demais infinitos passos sem se preocupar em cair.

A criança cresce e aprende que, mais cedo ou mais tarde, os pilares serão demolidos e é preciso coragem para caminhar sozinha. 
As palavras também amadurecem.
Os primeiros passos não são concretizados no chão, são metáforas do inicio de um jogo de persuasão e encanto. Palavras que estão prontas para caminhar sozinhas despertam um sentimento de poder naqueles que se apropriam delas. 

Poder, palavra de muitos significados. Significados estes que só são compreendidos em sua totalidade por aqueles que abandoram seu crachá infantil, enrolaram seu barbante e o colocaram no fundo da gaveta para fazer companhia a tantas outras memórias.
Quando chegamos nesse ponto da trajetória, estamos prontos para nos deixar encantar pela escrita. 
Adentramos num mundo pouco visitado. 
Um mundo que não é real, não possui comprovações científicas, mas, paradoxalmente, existe. 
É vivo. 

A Escrita é um mundo. 
Mundo de sonhos construído com imaginação.

Quem muito grita não conhece a paz que reside no silêncio


"Fulana já tem 4 fotos com fulano no Instagram! A coisa tá séria!"

Ouvi isso de uma amiga na semana passada e, sem surpresa, notei que, em tempos de rede social, o tamanho do amor depende da quantidade de curtidas e de declarações públicas no mural expostas ao longo do relacionamento. 
A confiança, quando existe, sujeita-se às publicações ou fotos que o outro curte. E o companheirismo? Bom, esse fica restrito ao momento da pose.

Tirada a foto, as mãos se soltam e os olhos desencontram - mais vale o filtro certo ao toque e ao riso. Felicidade efêmera - dissolve no ar quando a luz do flash se apaga.

Declaração, hoje em dia, só vale se for online? No meu tempo, declaração boa de verdade tinha que ter folha, papel, saliva, sal de lágrima. 
E mais: quem foi o responsável por resumir a confiança, coisa de imensidão tão bela, à interações insignificantes nessas plataformas que surgiram para transmitir a falsa ideia de que a solidão faz mal?

Por muito tempo eu escolhi gritar - amor barulhento machuca os ouvidos. O ruído de milhares torna pequeno aquilo que existe entre dois. 
Bom mesmo é o silêncio - amor quieto cura a alma. A calmaria do riso de dois abafa a confusão do resto do mundo. 

Quanto à afirmação sobre a quantidade de fotos no Instagram: não acho que a coisa esteja séria. Afinal, coisa séria tem muito mais do que 4 fotos - tem solidez suficiente para não depender das curtidas do resto do universo para existir. 
Amor, quando é amor, basta-se.

Sábado foi "Dia dos Avós"


Fiquei sabendo que hoje é "Dia dos Avós", mas discordo da data - assim como discordo das demais datas comemorativas destinadas a homenagear as pessoas que amamos. 

As avós, aquelas com "a" maiúsculo que transcende a denominação do parentesco e atinge o "a" que compõe a palavra - e o sentimento - "amor", merecem gratidão diária. 
Quando eu ainda não podia andar com minhas próprias pernas, minha avó costumava me carregar no colo e colocar sobre uma mureta que enfeitava a fachada de sua casa - dali ela me mostrava o mundo que existia lá fora. Hoje, ela é quem não pode andar totalmente com as suas e, quando eu chego em Catanduva, trago o mundo para dentro de casa só para encher seus olhos já cansados de coisas novas. 
Minha avó não sabe ler - mulher, na época dela, não ia à escola. Mas, com ela, aprendi valores - tudo longe de giz, de lousa, de provas, de formalidades. E eu nunca aprendi tanto. 
Não tive referência de leituras obrigatórias para minha bagagem cultural, mas aprendi a colocar a família em primeiro lugar - nenhum emprego ou salário vale mais que passar o almoço de domingo junto daqueles que nos tem amor. 
Ela não me apresentou à músicas clássicas, mas adoçou meu ouvido com suas histórias. 
Com ela aprendi que o amor não é efêmero - minha avó, mesmo após a morte do meu avô, nunca tirou a aliança do dedo e o sentimento do coração.
Ela, com suas costas curvadas e mãos trêmulas, ainda consegue ser uma fortaleza murada, protegendo a tudo e a todos - guerreira que aposentou a espada e agora, quase sem forças, a utiliza de apoio para arrumar minha cama antes de dormir em todos os finais de semana que estou em casa. 

Minha avó não vai ler esse texto, - eu até poderia ler em voz alta, mas seus ouvidos não querem saber de palavras difíceis - ela vai receber todo o amor do mundo em forma de café e cookies quentinhos. Afinal de contas, ela também me ensinou que o amor não é coisa complicada para ser definido formalmente e, além disso, não se compra com presentes caros - o amor é simples e cabe numa assadeira de bolo, que transborda carinho ao corte do primeiro pedaço. 
Hoje, "Dia dos Avós", eu não faço um agradecimento especial - quando a gente recebe uma dádiva, é nosso dever agradecer e cuidar todos os dias, sem exceção. 
Avós são dádivas, flores para enfeitar a vida.

Minha vó é a flor mais bonita desse meu jardim.

Amor é aquele que deixa ir

Eu nunca gostei de esperar e, por isso, sala de espera de consultório médico é, para mim, sinônimo de tortura. O tempo congela e não há quem faça o ponteiro girar - o jeito é, então, observar todas aquelas outras pessoas que também ali estão desperdiçando momentos. 
Observando com olhos e ouvidos atentos, chegou até mim o seguinte soco no estômago: 

- Eu já te falei, essa história de liberdade não combina com amor. 

Não consegui escutar a resposta, porque a frase ecoou na minha cabeça por alguns minutos. Queria interromper aquela conversa, mas me contentei em aguardar pelo seu fim. 
A conclusão das participantes do diálogo foi que o amor, hoje em dia, é raro ou deixou de existir. As pessoas querem ser livres demais. 
Como pode existir amor quando há tanto desejo em conhecer o mundo lá fora? 

Prefiro concordar que, quando "essa história de liberdade não combina com amor", esse tal "amor" realmente apareça pouco ou quase nada. Eu, assim como elas, após receber o soco, também deixei de acreditar em sua existência.
Não acredito seja possível haver um amor que não combine com liberdade - seja amor em qualquer uma de suas infinitas formas. E espero, de fato, que ele nunca venha existir. 

Por enquanto, optei por seguir acreditando que o desejo de liberdade não é responsável pela desaparição do amor. Liberdade é combustível e aliada - é, acima de tudo, poder conhecer o mundo lá fora e, ainda assim, ansiar por voltar. 
Quem é livre pra ir e vir quase sempre deseja ficar. 
Não. O real responsável por tornar esse "amor" raro e quase inexistente é o medo de voar com as próprias asas e, por consequência, cair algumas vezes. 

"Amor" nunca foi e nunca será certeza, segurança absoluta e cadeado - pra esse, não há espaço para existir. 
"Amor" que deixa ir não é raro e quase inexistente, existe em toda sua grandeza - e, felizmente, ainda vejo muitos exemplos por aí. No final das contas, "amor" é incerteza, insegurança de ver o outro livre e felicidade de saber que ainda existe o desejo de ficar- seja na casa da mãe, na roda de amigos ou no único coração escolhido dentre tantos outros



Lar é estado de espírito


Chego em Catanduva, são 18h de uma sexta-feira qualquer e, num piscar de olhos, já acabou o almoço de domingo. O maior inimigo daqueles que se amam é, com certeza, o relógio de parede que, como diria Mário Quintana, é um animal feroz que devora gerações. 
Eu corria contra o tempo quando estava em casa. 
Mas, afinal, o que e onde seria essa casa? Esse lar que insistimos em sempre querer voltar? 
Seria o local onde passamos os dias da semana, rotina? Ou então aquele lugar para onde fugimos aos finais de semana em busca de paz, tranquilidade e colo de mãe? 

Só aqueles que possuem vidas fragmentadas por estradas conhecem a dor de não saber exatamente aonde pertencem. Depois de um tempo sem ter um lar definido para chamar de meu, aprendi que essa casa que tanto buscamos não é um local: é um estado de espírito. 
Na verdade, estar em casa é se sentir à vontade consigo mesmo. 

Hoje tenho várias casas - a urgência por voltar para Catanduva ainda bate à porta, mas, há um tempo, deixou de ser angustiante. 
Hoje sei que o tempo passa rápido, mas, em contrapartida, também descobri que dentro de um segundo existe uma infinidade de momentos - e que posso utilizar todos eles ao meu favor. Mesmo que seja pouco, o tempo, com seus segundos infinitos, proporciona vivências únicas.

Portanto, não corro mais contra ele quando estou exatamente onde gostaria de estar, agora o transformei em aliado e, em toda sua infinidade, guardador de memórias: eu sei que vou partir muitas vezes ainda e para muitos outros lugares, perto ou longe, mas, quando estou aqui, ou em qualquer lugar da lista dos que me fazem bem, sei que tenho abraço de mãe, sorriso e café de vó, família, porto-seguro e pessoas queridas - coisas que nunca são devoradas pelo relógio de parede, que permanecem guardadas e sempre farão parte desse espaço que eu decidi chamar de lar. 
O tempo deixou de tragar instantes e passou a acumulá-los - amontoado de memórias para não deixar esquecer as importâncias da vida. 

Lar, nesse caso, vai comigo onde quer que eu esteja, porque, quando fazemos as pazes com o tempo, ficamos à vontade com nós mesmos.


Silêncio é paz

Em tempos de gritos desgarrados, falas incessantes, vozes altas, palavras, sentenças desnecessárias e argumentos descabidos de sentimento pelo outro, o que mais se precisa é de silêncio. 

Silêncios que interrompam esses ruídos que teimam em embaralhar a mente da gente. 

Lacunas quietas.

E eu que, tempos atrás, achava que fazer barulho aliviava o coração, hoje vejo que é o silêncio o responsável por aquietar a alma. 
Quem esbraveja só enxerga o que diz. Só vê. 
Água rasa.
É no silêncio que a gente olha para o outro lado, independentemente da direção. 
Águas profundas. 

A luz clareia os olhos de quem vê além da superfície. Em silêncio.



A extinção do olho no olho

Maldito seja o dia em que resolver problemas pessoais ou profissionais por meio de redes socais virou coisa trivial. 
Problema pede olho no olho. Tom de voz.

O amigo diz que quer contar uma novidade, a notificação grita bem na hora em que o outro precisa sair apressado. A resposta? A resposta não pode esperar. Com pressa, o outro se esquece de um ponto de exclamação, ou de mandar um sorriso ao final da frase. 
Fim da amizade. Como é possível um amigo de anos enviar uma resposta sem nenhum entusiasmo diante de tanta euforia do outro? 
A namorada decide ter uma crise romântica, a notificação grita e o namorado, certo de que seus sentimentos são certos e sabidos pela companheira, esquece-se do vocativo carinhoso, ou de colocar um coração ao final de um "eu também" morno e perdido no meio de um diálogo desconexo. 
Fim do amor. Como é possível receber uma resposta sem nenhum carinho diante da demonstração de tanta paixão? 
O colega de trabalho resolve pedir um favor, a notificação grita e o outro simplesmente desenvolveu um jeito sério de escrever, respondendo de forma objetiva. 
Fim da harmonia. Como é possível ser tão rude com uma pessoa que divide tarefas e projetos? 

A escrita exige de cuidado. O autor preocupa-se com o leitor a cada enunciado, cada parágrafo é construído para afagar quem o lê. Quando a escrita é cuidadosa, ela abraça, acalma. 
Ao abrirmos uma janela com a foto do outro, nunca o enxergamos como um leitor que desenvolverá sensações e sentimentos a partir das palavras que saltarem a seus olhos. Sem cuidado, a escrita vira folha de papel, afia-se e corta quando menos se espera. 

As redes sociais, ao contrário do que dizem, não aproximam amigos, namorados e colegas de trabalho. As redes sociais são traiçoeiras.
Um ponto de exclamação a menos e você corre o risco de encarar uma crise de relacionamento. 
Uma pena que não seja possível transmitir o tom de voz, o olhar e a expressão por meio de uma mensagem enviada pela internet ou pelo celular. Nunca saberemos, de fato, como o outro lado reage às nossas mensagens.

Maldito seja o dia em que escrever de forma correta e objetiva passou a ser sinônimo de grosseria. 
Maldito seja o dia em que sinais de pontuação e figuras ilustrativas postas ao final das frases passaram a valer mais que o real sentimento existente entre duas pessoas próximas que, ao ignorar a presença e deixar o telefone fora do gancho, caíram na ilusão de que uma mensagem cheia de abreviações poderia, um dia, suprir o calor de um abraço apertado.



Afinal, pode ou não pode ter trote?


Passamos, durante toda nossa infância e juventude, por um processo educacional falido, com mais falhas que ensinamentos. Somos forçados a engolir as imposições de um sistema de ensino-aprendizagem que não se preocupa em formar consciência crítica, mas apenas em acumular conteúdo em alguma caixa imaginária que alguns pedagogos modernos - e aqueles nem tão modernos assim - pensam existir no interior de nossas cabeças. 
Chegamos ao ensino médio, seguido do famoso ano de cursinho, absorvendo conteúdo sem filtro, quase nada faz sentido e nem está ligado à experiência viva dos estudantes. Perda de tempo. Tudo aquilo que, supostamente, é "ensinado" e, supostamente, é "aprendido", logo cai no esquecimento. 
E eu acrescento: a culpa não é deles, dos cursinhos. É dos vestibulares - esse estúpido sistema que muito contribui para a ruína da educação. 
Por isso eu não dou a menor importância às fotografias dos que passaram em primeiro lugar. 

O vestibular é um processo seletivo que não seleciona ninguém. 
Um sinal claro: o trote. Não o trote de alegria, colorido, cheio de tinta e de sorrisos. 
Mas o trote violento, regado de bebida alcóolica e humilhação. O trote hierárquico, racista e machista, que, assim como Dimenstein, sinto vontade de vomitar a cada vez que ouço um relato ou vejo uma cena/fotografia relacionada a isso (http://goo.gl/TaKlCy)

Trote violento e humilhante é falta de educação, fator que deveria ter sido desenvolvido durante todos os anos que passamos sentados naquelas carteiras desconfortáveis de madeira. A escola, há muito, deixou de ser a casa da educação, para ser a casa da competição - tudo para derrubar os outros na lista do vestibular. 
Desde quando se aprende por competição? Aprendizado é fruto do prazer. Há prazer em aprender, eu juro. E, as escolas e cursinhos que me desculpem, mas eu tenho nojo de quem coloca o lucro e a propaganda acima do desenvolvimento educacional e pedagógico eficiente de um aluno. 

Eu, enquanto aluna do ensino médio, sempre tive a ilusão de que as listas de aprovação só continham os melhores. Aqueles que mudariam o rumo desse país, aqueles que seriam detentores de um poder intelectual capaz de lutar para que a sociedade diminuísse o ego e aumentasse o senso crítico. 
Errei. E errei feio.
Vejo futuros comunicadores obrigando meninas a simularem sexo oral na Av. Paulista, vejo futuros médicos embebedando meninos e meninas, cuspindo na cara deles, vejo futuros engenheiros humilhando. Vejo o futuro das profissões ruindo nas mãos e nas ações de alguns.
A hierarquia, que antes era entre professores e alunos, hoje acontece entre alunos e alunos, o que derruba o conceito fundamental para que haja respeito mútuo entre as pessoas: ninguém é melhor que ninguém pelo simples fato de estar no segundo, terceiro, quarto, quinto ou sexto ano de faculdade. Ninguém pode humilhar aquele que está chegando, aquele que sofre com a adaptação à cidade nova, aquele que tem medo do primeiro dia de um sonho. 

Assim como o Dimenstein, sinto vontade de vomitar.
Tenho nojo de pessoas que promovem o trote vexatório. 
Tenho asco daqueles que amedrontam, daqueles que intimidam, daqueles que não entenderam o real papel de um veterano: expor o quanto a faculdade muda nossas ideias, nos transforma, nos dá independência. 

Tive muita sorte com meus veteranos, seja na Usp, seja na Unesp. Nunca passei por nenhum trote desse tipo. Pelo contrário, criei laços. 
Trote violento não é integração. Trote violento é demonstração de ignorância. 
Não continuem com essa tradição sem fundamento, futuros calouros e veteranos. 
Não continuem com a ilusão de que humilhar o outro é necessário. Pintem, riam junto, ajudem. 

Vocês, veteranos que praticam o trote vexatório e violento, é que são uns merdas - e não aquele calouro em cima da cadeira que vocês insistem em humilhar. 

Parabéns, comissão dos bixos de Jornal 2014 da Faac, vocês sim é que estão promovendo integração e alegria. Colorindo o primeiro dia do sonho de muitos calouros - a entrada na universidade. 

Que o trote seja cada vez mais colorido. 
E que os primeiros dias de aula cada vez menos cinzas.

Schopenhauer e a teoria do porco-espinho

Spinoza gostava de usar a expressão latina, "sub specieaeternitatis", que significa "do ponto de vista da eternidade". Dizia que os fatos perturbadores do cotidiano ficam menos complicados se forem vistos sob a perspectiva da eternidade. 
Alguns anos atrás li "Por que as zebras não têm úlcera?" e virei fã de Sapolsky. No começo fiquei perdida em meio a tantos processos fisiológicos desencadeados pelo estresse. Difícil aceitar que tudo aquilo acontece dentro desse aglomerado de células que somos nós. 
Hoje, depois de descobrir que eu tenho uma quase-úlcera, consigo perceber a maior diferença entre mim e uma zebra: a zebra sabe como existir, como viver sem angústia (isto é, sem medo) no bendito presente, sem o peso do passado e a preocupação com os horrores do futuro. 
Mas nós, humanos infelizes, somos tão perseguidos pelo passado e pelo futuro que só podemos passar rapidamente pelo presente. 
Sentimos tanta saudade da infância, porque foi a única época despreocupada, ou seja, sem preocupação antes de termos lembranças tristes e graves dos lixos que infestam nossa vida dia após dia. 

O lixo acumula. Um mar de sacos cheios de sujeira. 
O presente fica sufocado - passamos a semana esperando a sexta-feira, o mês esperando o próximo feriado e o ano esperando por um outro que virá cheio de novas promessas ilusórias. 
E, como se já não bastasse os nossos próprios sacos de lixo, teimamos em ensacar o lixo daqueles com quem nos importamos: precisamos nos juntar em volta do fogo para nos aquecermos.
Até o dia em que nos chamuscamos por ficarmos muito perto do fogo. 

Só não sai queimado aquele que aquece a si mesmo; aquele que retira seu lixo periodicamente. 
Do ponto de vista da eternidade, tudo vai desmoronar - depois de um dia inteiro, nada é tão complicado que não tenha solução - e, no final, nenhum daqueles que jogou lixo no seu quintal vai te ajudar a limpar.
É só você ajudando a si mesmo nesse presente que, num piscar de olhos, já deixou de existir.



Relações Sublimadas

A relações sociais modernas que, para Bauman, mostravam-se líquidas e voláteis, já mudaram de estado físico.
Antes, líquidas, sem forma definida ou estabilidade, escorriam lentamente por entre os dedos - era possível sentir o afrouxar dos laços a cada gota que escapava de nossas mãos. 
Hoje as relações sublimam - do sólido ao gasoso, disperso e invisível, em questão de segundos. Continuam sem forma definida ou estabilidade, mas foi-se o tempo em que laços afrouxavam. Hoje não há tempo para afrouxar. 

Os laços sublimaram junto com as relações sociais. O que solidificou foi o cuidado, a amizade, o amor e a saudade, que teimam em se esconder atrás da velha história de que "pessoas vêm e vão". E ainda nos fizeram acreditar que temos o dever de saber de lidar com isso. 

Eu não sei lidar - e nem quero aprender. 
Sublimação nunca foi meu estado preferido.

Em tempos de greve e de frio, tudo parece vazio


Eram quase sete de sexta-feira ao som de Jefferson Airplane, Comin' Back To Me. 
Neblina circundando pontos de luz, melodia triste e a sensação de que me falta algo. Coração desocupado e um buraco no estômago - decido entrar num drive de um fastfood qualquer para preencher um dos hiatos que me compõem. 
Faço o pedido, refaço, é melhor pedir o dobro; comer por dois, mesmo estando só. Deixo o drive e, apesar do pedido em dobro, é só metade que segue em frente - ainda falta algo. 
Percorro o caminho de casa praguejando a solidão e almadiçoando os semáforos vermelhos que teimam em tirar meus pés do acelerador - frear assusta; enquanto a rapidez esconde tantos segredos nos borrões que formam em nossas janelas, frear os expõe. Analisar segredos nunca foi meu forte. 
Num desses semáforos, entre tantos outros, milhões de carros poderiam ter freado ao meu lado, mas aquele que marcou o asfalto era branco. Branco por fora e cinza por dentro. Seus passageiros: um homem e uma mulher, ambos cinzas. 
Dois que não eram soma, mas subtração. 
Vidros abertos, corações trancados. 
Eu não consegui distinguir a melodia romântica que vinha dali: os gritos abafaram a voz de uma banda qualquer. Nos poucos segundos que estivemos lado a lado, nenhum sorriso ultrapassou a faixa pontilhada que nos separava na avenida - estavam descontentes e teimavam em estar ali.
Olhei para o meu banco vazio e meu carro, apesar da lataria preta, iluminou-se por dentro: eu estava exatamente da maneira como gostaria e deveria estar. 
Não me faltava nada. Eu estava em meu lugar, sem teimar em driblar a solidão. 
O semáforo esverdeou.
Eles se foram, descontentes. Não sabiam, ou fingiam não saber, que nem sempre ter os dois bancos ocupados é sinônimo de estar e sentir-se inteiro. 
Dois também pode ser metade. 
O semáforo esverdeou e eu sorri por dentro. Olhei o banco ao lado e ainda restavam muitas coxinhas do Ragazzo, minhas preferidas. Planejei minha noite de sexta - minha lista de filmes para assistir antes de morrer ia sair da gaveta de novo.

Troquei a melodia triste. 
Eram quase oito de sexta-feira ao som de The Rolling Stones, She's A Rainbow, e minha companhia era aquela que me fazia sentir completa, por inteiro: eu mesma. 

Em tempos de greve e de frio, é você que preenche o vazio.

Sobre perguntas e olhares de desaprovação, censura e decepção


E depois da formatura, qual vai ser? 
Carreira acadêmica? Nossa... professor sofre tanto, tem certeza? 

Eu sempre quis ser professora - a paixão pelo Jornalismo veio com o tempo, chegou de mansinho, instalou-se na cabeça e não pude resistir. Mas a paixão por ensinar já nasceu comigo, fator hereditário. 
Aqui em casa todo mundo é professor. E todos enchem a boca quando dizem a profissão, em voz alta. 

Dia desses, encontrei uma antiga professora do ensino médio. Conversamos e, durante o papo, tentei mostrar o brilho da profissão de jornalista, transmiti toda a minha felicidade por estar me preparando para futuramente fazer algo que acredito, contei da luta que é mudar de curso numa sociedade que, inconscientemente, impôs aos jovens um trajeto de vida pré-definido. 
O olhar, nesse ponto da conversa, era de decepção - uma aluna tão estudiosa, por que não foi fazer um curso melhor? 
Minha resposta não foi dada em voz alta. O meu olhar foi lustrado com o tempo, após tantas críticas ele brilha de orgulho e ela percebeu que não existia curso melhor, pelo menos para mim. 

A conversa caminhou até o meu futuro como profissional. 
Futuro é algo que está por vir, ainda não existe, mora alí na caixa das incertezas. Futuro é a morada das impossibilidades, dos medos. É uma "saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi". Mas ela insistiu em ganhar uma resposta. 
Disse que pretendia entrar no Mestrado. Seguir carreira acadêmica. 
O olhar, nesse ponto da conversa, era de desaprovação - tantas opções de carreiras e você escolheu justo a pior? Professor sofre muito.

O meu olhar lustrado pelas críticas tornou-se opaco por um segundo. 
O professor de hoje em dia não é capaz de lembrar do poder que tem em mãos. Apesar de todos os obstáculos, das dificuldades do sistema educacional brasileiro e de toda a sujeira política jogada por debaixo do tapete da educação, não há arte mais nobre do que a de ensinar e transmitir conhecimento. 
Ensinar tornou-se negócio, há muito deixou de ser paixão. 

Professores que não olham nos olhos. Estão sempre correndo, afinal, o que importa é o número de artigos publicados, não mais o número de alunos conquistados. 
Professores que não abrem um espaço de ternura no cotidiano apressado, difícil e, eventualmente, cruel. 
E a postura do educador só piora com o subir dos degraus da escada de formação a que somos empurrados. 

Apesar do olhar de desaprovação daquela que deveria ser exemplo, lancei o meu olhar de censura e minha vontade de ensinar cresceu ainda mais. 
Não quero reproduzir teorias em sala de aula e sair de lá culpando os alunos, o governo, a universidade - quero ser apoio, educação é amparo para não nos afogarmos na primeira onda e, por isso digo, educar é grave responsabilidade. 

Falta de amor e atenção pode ser uma emergência, professores. 
Deixar aberta a porta dos diálogos não convencionais, com hora marcada no departamento, mas no fluxo habitual do interesse e do carinho. Afinal, preparar alguém como cidadão e profissional não se faz com frases prontas, mas convivendo. Se faz sendo humano, sendo terno, generoso, firme e ético. 
Sendo gente.
Afinal, professores, apesar do tempo curto que vocês tanto alegam, vocês também são gente. 

Eu poderia virar as contas e encarar aquela conversa como um desestimulo ou poderia erguer a cabeça e caminhar em busca daquilo que acredito. 
Escolhi a segunda opção. 
E para os professores que teimam em desestimular aqueles que querem seguir seus passos: relembrem o que realmente é educar e sintam orgulho de ser o que são.