sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Bala que mata, desinteresse que cega




É preciso ouvir o que as pessoas têm a dizer na fila do supermercado. Era final de tarde e os olhos da moça do caixa mostravam o cansaço acumulado dos dias. Olheiras refletidas em quase todos que compunham aquela sucessão de humanos abatidos pela jornada de trabalho que acabara há pouco.
Na parede em frente, uma TV ligada em um programa sensacionalista, tão comum na programação atual. A notícia era sobre um policial que disparou quatro tiros contra dois jovens que já estavam rendidos. Entre mim e as imagens da TV, um obstáculo. Uma mulher com seus mais de 50 anos, pelo menos em aparência. Unhas de um rosa metálico descascado e tão judiado quanto a pele de seu rosto. Carregava junto ao peito um porta-moedas florido, com fecho em forma de coração.
Indignada com os comentários feitos pelo apresentador sobre o fato ocorrido, recorreu à moça uniformizada que passava os poucos itens de sua compra:

- Onde já se viu! Hoje em dia nossos meninos morrem por muito pouco!

Precisamos falar sobre Schopenhauer: ser mãe não é obrigatoriedade feminina



Traçaram o meu caminho antes mesmo de eu nascer. Quando minha mãe saiu da sala do ginecologista sabendo que seria uma menina, logo imaginou a decoração do meu quarto. Comprou o primeiro vestido assim que deixou o consultório e já imaginou todo o meu futuro pela frente. Enquanto eu estava ali, presa naquele líquido amniótico.

Quando nasci, todos os meus familiares já esperavam ansiosos pelo primeiro passo. Quando andei, pelas primeiras palavras. Eles gostam de antecipar os fatos na vida de uma criança. Principalmente, porque, dessa forma, conseguem ter o controle sobre todos eles.
Eu mal tinha saído das fraldas e todos já sabiam que eu frequentaria a escola cheia de penduricalhos nos cabelos. Ninguém me perguntou se aquilo incomodava. Simplesmente equilibraram borboletas e laços delicados demais. Enquanto os meninos brincavam alegremente no pátio da escola, as meninas, em sua maioria, permaneciam sentadas eretas. Todo esforço do mundo para não desmanchar o penteado tão bem elaborado pela mãe  antes do horário escolar.

Cuspa esses padrões, mulher


Essa história é baseada em fatos e problemas reais. Juliana existe. É de carne, osso e alma, como você, que insiste em torcer o nariz ao encarar o espelho e enfrentar todas as suas imperfeições.

Ela tinha um recorte de revista na porta de seu guarda-roupas. Disse não se lembrar de muita coisa daquela época dos 11 aos 13 anos, mas conseguiu evocar perfeitamente os traços e as características do corpo da modelo que habitava seu armário e sua mente. Juliana nem sempre foi assim.

Quando criança, foi diagnosticada com obesidade infantil. Apesar de não ter problemas com seu corpo, a sociedade insistia em calcar os sonhos daqueles que se encontravam acima do peso. Chegou o grande dia! Juliana pisou em um estúdio fotográfico pela primeira vez. Ela, finalmente, ia escolher seu animal predileto e posar para a fotografia que imitava uma famosa campanha publicitária. Mas o leão e seus amigos mais desejados não serviam em Juliana. Para o tamanho dela, apenas a roupa monocromática do gambá, um animal que ela nunca cobiçou ser.

Abraço de Carnaval


O trânsito de Bauru é um caos. Emaranhado de estresse, calor e desordem. Pressa de não sei o que para não sei onde. De dentro do carro, a impressão de que o asfalto dilui-se sob o sol escaldante. Os olhos não param abertos e tremulam, tentando buscar um oásis de sombras em meio ao deserto de pedra. As mãos já vermelhas de segurar o volante cálido, queixam-se. Como partículas microscópicas, as pessoas, quando submetidas ao calor, mostram-se inquietas. 
O verde, amarelo e vermelho do semáforo completam dois ciclos e o acelerador continua intacto. Na ânsia pela busca de paz, quero adiantar o relógio. Reparo, de repente, que, durante o tempo que estive ali, não olhei ao redor. Passamos, às vezes, uma vida toda esperando por algo ou alguém sem olhar à nossa volta - parado no trânsito ou na dinâmica de nossas rotinas. Forço, então, a vista e a obrigo a lidar com a claridade.