quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Eu não sei andar de bicicleta

Eu não sei andar de bicicleta. Já tentei de todas as formas. Fiz meu pai correr atrás de mim, segurando o banco da magrela, durante anos. Nunca consegui. Grande, pequena, com ou sem rodinhas. Impossível. Em um dos meus 24 Natais, no entanto, pedi uma bicicleta. Escrevi, na cartinha, que desejava um daqueles modelos com cestinha e buzina. Creio que o meu bom velhinho ficou confuso. O que, afinal, aquela criança desajeitada e sem equilíbrio faria com uma bicicleta? Ainda assim, ela chegou. Eu tinha 10 anos. Era noite de Natal.
Fiz algumas tentativas e logo a deixei de lado. Ficou encostada em um canto da casa. Pneus murchos. Brilho apagado pelo tempo.
O clichê diz que quem aprende a andar de bicicleta, nunca mais esquece. E eu, durante anos, fiquei me questionando sobre o porquê de eu nunca conseguir pedalar com confiança. Seria algum problema relacionado ao meu desenvolvimento psicomotor? Algum trauma recalcado? A questão é: nunca aprendi.
De acordo com a campanha "Papai Noel dos Correios", que tem como objetivo principal atender aos pedidos de presentes de Natal das crianças em situação de vulnerabilidade social, a bicicleta é o presente mais pedido entre meninos e meninas de 5 a 10 anos. E eu, que nunca me interessei pela magrela, só a coloquei como protagonista de meu pedido por pressão social e, talvez, uma pitada de falta de criatividade, confesso.
Não se encaixar nos padrões e nas expectativas do outro faz a gente sufocar nossos desejos. Eu não sei andar de bicicleta. Não sinto vontade de aprender. Tá tudo bem. Deixa ela ali, quietinha. Não precisa ter pressa. Um dia, quem sabe, eu encha os pneus, tire o pó e encare os pedais.
Eu não sei andar de bicicleta, mas o meu Papai Noel não hesitou em me dar uma chance. Assim é com as pessoas. Amar o outro é entregar o amor sem a certeza de que o destinatário fará bom uso. Sem saber se já se aprendeu a amar. É dar uma bicicleta a uma menina desajeitada.
O amor, assim como minha bicicleta, pode ficar ali, quietinho, criando camada sobre camada de pó. Um dia, quem sabe, cria-se também coragem para perder o equilíbrio e pedalar lado a lado.
Eu me cobrei por anos. De vergonha à tristeza, tive inúmeras reações diante do espanto daqueles que ouviam que eu não sabia andar de bicicleta. Hoje, respondo que sou ótima em palavras-cruzadas. Tá tudo bem. Quem sabe um dia.
No amor e no andar de bicicleta, nenhuma vontade é imutável. Muda-se. Transforma-se. É questão de preparo e coragem. Quem sabe um dia, mais madura e cautelosa, eu espane toda a poeira. Nunca é tarde para aprender a pedalar com os pés e com o coração.
O amor, afinal de contas, não tem segredo - é só uma bicicleta nas mãos de uma menina desajeitada, pronta para, quem sabe um dia, aprender.

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