quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Quem foi minha mãe antes de mim?

Hoje é aniversário da minha mãe. Brigamos no domingo. Íamos ao cinema. Comemoraríamos a terça-feira noutro dia. Fiz uma lista de falhas maternas. Discursei sobre minhas expectativas não correspondidas. Não fomos. O filme foi exibido sem nossa presença. O meu domingo terminou sem ela.
Enquanto dirigia de volta para Bauru, o temporal me fez desacelerar e colar as mãos no volante, tentando domar aquela pista encharcada. Diante de tudo o que havia dito, fiquei surpresa com o quanto ser mãe é também sinal de peso e dor. Para os filhos e para a sociedade, mãe é uma entidade feito fortaleza, daquelas muradas por grandes e inquebráveis blocos de concreto. Barreira que nos protege de todos os males e aguenta a ressaca do mundo. Mãe não tem folga e nem direito de ruir. Eu não daria conta, pensei. Ainda que tivesse 24 anos de experiência materna, como ela tem, falharia.
Eu sou uma pessoa desatenta. Confesso. Esqueço janela aberta na hora da chuva e deixo queimar o arroz do almoço. Se hoje me tornasse mãe, ganharia, no momento do parto, uma nova personalidade? Por milagre ou acaso, aprenderia a dobrar o lençol de elástico sempre engalfinhado no fundo da gaveta?
Mãe é ainda a mulher de antes.
Quem foi a mulher que me gerou em seu ventre? O que ela costumava fazer quando ainda não lhe haviam incumbido a responsabilidade de nunca errar?
De repente, notei: quando critico minha mãe, esperando que ela seja perfeita, reproduzo o discurso que há muito tentamos desconstruir - o mito da maternidade ideal.
Impuseram-nos uma ordem inquestionável: é natural que sejamos mães, e devemos ser mães infalíveis. Nossos desejos, dores, anseios e vontades foram pasteurizados neste ambiente patriarcalista. Mãe triste é desleixada. Mãe nervosa, negligente. Mãe exausta, relaxada. E seguimos perpetuando a ideia de que se deixa de ser mulher no momento da fecundação.
Desculpa, mãe. A vida é constante quebra-cabeça. Eu sei que o título de mãe não é provisório, mas pode tirar uma folga vez em quando. Filho é mesmo egoísta. Pode ser mulher que sofre e erra dia sim, outro não. Pode chorar ao invés de enxugar as lágrimas, pedir ajuda no lugar de ajudar. Pode ser falha. Eu sou. E, se um dia for mãe, também serei. Seremos. Serão. Porque a perfeição só existe no dicionário e na cabeça das pessoas que teimam em jogar o peso do mundo em nossas costas.
Quantas mulheres sufocamos? Incontáveis ignoramos. Tantas outras abandonam a própria identidade para satisfazer os desejos de uma sociedade que idealiza gestação, amamentação e relação parental.
Pode errar, mãe, você é ser humano, mulher antes de tudo. No próximo final de semana, assistimos ao filme.
Quem foi minha mãe antes de mim?

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